CENSURA: 15 ANOS (mas se a Globo mostra, por que censura?) - você entenderá ao longo do texto, caro(a) leitor(a)...
Posso ser uma pessoa que diz gostar, amar, idolatrar a literatura e ser, ao mesmo tempo, a pessoa mais ignorante que eu conheço? Não? Porque se eu não puder, eu não existo...Até outro tempo atrás, eu simplesmente I G N O R A V A que nossos queridos autores clássicos brasileiros, aqueles lindos sobre os quais criei uma imagem quase divinal durante muito tempo da vida, eram capazes, como todo pobre mortal que adora ler Sabrina ou Cinquenta Tons de ... (completem com a versão preferida, que eu não gosto e não sei os nomes todos), de escrever PORNOGRAFIAS! Sim!!! Pornografias, caros(as) leitores(as)!
A saída da minha ignorãnça (obrigada, Manoel de Barros) iniciou-se com Gregório de Matos Guerra. Já sei, alguém vai falar: "Ah, mas ele era o 'Boca do Inferno', afinal...Qual a novidade?". A novidade é que, tudo bem, eu já havia lido a poesia tradicionalíssima do pica-flor (que sempre me deixa vermelha quando vou explicar pros meus alunos do primeiro ano do ensino médio o que poderia ser o seu significado). Mas é que me caiu às mãos dois volumes com a sua obra completa, os quais eu pude consultar sem pressa (visto serem de uma amiga-irmã que não estava nem doida de me cobrar devolução instantânea). Então foram aparecendo pérolas dotadas de sensualidade (ok), erotismo (ok), pornografia (fiquei vermelha de novo!) e toda sorte de um overnaturalismo impressionante. Depois, erotismo, sensualidade e pornografia em Carlos Drummond (aquele senhorzinho da foto dos livros do Ensino Médio, meu pai! No livro "O Amor Natural" ele se revela) e depois...pornografia escrachada em Bernardo Guimarães (que é isso, genteeee? Aquele, de "Escrava Isaura", de "O Seminarista", a quem eu julgava capaz apenas de sentimentalidades românticas?!). Sim, Bernardo Guimarães. Vamos lá! Vou colocando aqui alguns trechos desse mavioso cenário cheio de surpresas para mim...
BERNARDO GUIMARÃES
O ELIXIR DO PAJÉ
Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?
Nessa postura merencória e triste
para trás tanto vergas o focinho,
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!
(...)
Caralho sem tensão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
lingüiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.
Porém não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que teu mal ainda pode
alívio ter.
Sus, ó caralho meu, não desanimes,
que ainda novos combates e vitórias
e mil brilhantes glórias
a ti reserva o fornicante Marte,
que tudo vencer pode co'engenho e arte. (...)
A ORIGEM DO MÊNSTRUO
Rapava bem o cu, pois resolvia
na mente altas idéias:
— ia gerar naquela heróica foda
o grande e pio Enéias.
Mas a navalha tinha o fio rombo,
e a deusa, que gemia,
arrancava os pentelhos e, peidando,
caretas mil fazia!
Nesse entretanto, a ninfa Galatéia,
acaso ali passava,
e vendo a deusa assim tão agachada,
julgou que ela cagava... (...)
(É fama que quem bebe dessas águas
jamais perde a tensão
e é capaz de foder noites e dias,
até no cu de um cão!)
— "Ora porra" — gritou a deusa irada,
e nisso o rosto volta...
E a ninfa, que conter-se não podia,
uma risada solta. (...)
GREGÓRIO DE MATOS GUERRA (O "BOCA DO INFERNO")
NECESSIDADES FORÇOSAS DA NATUREZA HUMANA (SONETO)
Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.
Busco uma freira, que me desentupa
A via, que o desuso às vezes tapa,
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa.
Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa,
Darei por quem mo vase toda Europa?
Amigo, quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz da sua mão sua cachopa.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
SUGAR E SER SUGADO PELO AMOR
Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.
DE ARREDIO MOTEL EM COLCHA DE DAMASCO
De arredio motel em colcha de damasco
viste em mim teu pai morto, e brincamos de incesto.
A morte, entre nós dois, tinha parte no coito.
O brinco era violento, misto de gozo e asco,
e nunca mais, depois, nos fitamos no rosto.
O QUE SE PASSA NA CAMA
(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)
É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono de pênis.
Ai, cama, canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme a onça suçuarana,
dorme a cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima... O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciam os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.
CHOCARAM-SE? Mas adoraram saber que isso tudo existe e acharam alguns até muito bons? Bem-vindos!