Sobre mulheres, homens e livros...

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4/12/2013


Peixe-pedra



Peixe-pedra

Porque nascera pedra e tinha a função, como pedra
de fazer tudo o que de pedras se espera.

E, sendo pedra, pesava sobre papeis avulsos,
atrapalhava o caminho dos transeuntes,
quebrava vidraças de vizinhanças desavisadas,
jogava-se, kamikaze, de prédios em implosão
e ia parar no fundo de lagoas profundas
– onde admirava peixes coloridos,
que flutuavam com toda leveza, cheinhos de escamas!

Visitavam o ar em pulos inesperados, peixes que eram
(como quem espera um aplauso do tempo lá fora),
escapuliam das mãos de inexperientes pescadores,
 e faziam tudo o que era dado aos peixes fazer.

Então que a pedra, um belo dia de chuva,
(quando os mares se enchem mais e as vistas ficam turvas)
decidiu, num zaz, ser peixe.

Pronto! Doravante, peixe seria.

E seria um peixe bem colorido,
e escaparia das mãos de inexperientes pescadores,
só para desaforá-los!

Foi peixe.

Viveu sendo pedra que pesa papel...pra mim e pra você.
Mas dentro de si, nadava oceanos imensos...
E era tão colorida, que emprestava
– às vezes, sem nada pedir em troca –
as suas cores aos arco-íris.

E assim nasceu: o Peixe-Pedra.
E você ainda pode encontrá-lo, quem sabe,
em uma escrivaninha do seu quarto de dormir,
flutuando seus oceanos de escritas palavras
– também, aos olhos dos outros, apenas bestas sintagmas,
feitos que são só de fonemas e letras.

Mas dentro de si mesmas, e para si mesmas,
o c e a n í n d i c a m e n t e, PaCifAtLâNtIcAmEnTe,
mares, lagos, lagoas, riachos, córregos e oceanos
cheios de imensos peixes coloridos,
que só fazem é singrar por caminhos nunca dantes navegados.

Porque os sonhos se fazem concretos só por querer,
sendo pedra ou peixe sendo,
palavra de livro fechado, ou palavra encantada nas bocas do mundo.

(Danielle Castro da Silva)
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2/24/2013


Os cinquenta tons da minha ignorãnça.

CENSURA: 15 ANOS (mas se a Globo mostra, por que censura?) - você entenderá ao longo do texto, caro(a) leitor(a)...

Posso ser uma pessoa que diz gostar, amar, idolatrar a literatura e ser, ao mesmo tempo, a pessoa mais ignorante que eu conheço? Não? Porque se eu não puder, eu não existo...Até outro tempo atrás, eu simplesmente I G N O R A V A que nossos queridos autores clássicos brasileiros, aqueles lindos sobre os quais criei uma imagem quase divinal durante muito tempo da vida, eram capazes, como todo pobre mortal que adora ler Sabrina ou Cinquenta Tons de ... (completem com a versão preferida, que eu não gosto e não sei os nomes todos), de escrever PORNOGRAFIAS! Sim!!! Pornografias, caros(as) leitores(as)!

A saída da minha ignorãnça (obrigada, Manoel de Barros) iniciou-se com Gregório de Matos Guerra. Já sei, alguém vai falar: "Ah, mas ele era o 'Boca do Inferno', afinal...Qual a novidade?". A novidade é que, tudo bem, eu já havia lido a poesia tradicionalíssima do pica-flor (que sempre me deixa vermelha quando vou explicar pros meus alunos do primeiro ano do ensino médio o que poderia ser o seu significado). Mas é que me caiu às mãos dois volumes com a sua obra completa, os quais eu pude consultar  sem pressa (visto serem de uma amiga-irmã que não estava nem doida de me cobrar devolução instantânea). Então foram aparecendo pérolas dotadas de sensualidade (ok), erotismo (ok), pornografia (fiquei vermelha de novo!) e toda sorte de um overnaturalismo impressionante. Depois, erotismo, sensualidade e pornografia em Carlos Drummond (aquele senhorzinho da foto dos livros do Ensino Médio, meu pai! No livro "O Amor Natural" ele se revela) e depois...pornografia escrachada em Bernardo Guimarães (que é isso, genteeee? Aquele, de "Escrava Isaura", de "O Seminarista", a quem eu julgava capaz apenas de sentimentalidades românticas?!). Sim, Bernardo Guimarães. Vamos lá! Vou colocando aqui alguns trechos desse mavioso cenário cheio de surpresas para mim...


BERNARDO GUIMARÃES

O ELIXIR DO PAJÉ 
Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?


Nessa postura merencória e triste

para trás tanto vergas o focinho,
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!


(...)
Caralho sem tensão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
lingüiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.
Porém não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que teu mal ainda pode
alívio ter.
Sus, ó caralho meu, não desanimes,
que ainda novos combates e vitórias
e mil brilhantes glórias
a ti reserva o fornicante Marte,
que tudo vencer pode co'engenho e arte. (...)

A ORIGEM DO MÊNSTRUO

Rapava bem o cu, pois resolvia
na mente altas idéias:
— ia gerar naquela heróica foda
o grande e pio Enéias.
Mas a navalha tinha o fio rombo,
e a deusa, que gemia,
arrancava os pentelhos e, peidando,
caretas mil fazia!
Nesse entretanto, a ninfa Galatéia,
acaso ali passava,
e vendo a deusa assim tão agachada,
julgou que ela cagava... (...)
(É fama que quem bebe dessas águas
jamais perde a tensão
e é capaz de foder noites e dias,
até no cu de um cão!)
— "Ora porra" — gritou a deusa irada,
e nisso o rosto volta...
E a ninfa, que conter-se não podia,
uma risada solta. (...)

GREGÓRIO DE MATOS GUERRA (O "BOCA DO INFERNO")
NECESSIDADES FORÇOSAS DA NATUREZA HUMANA (SONETO)

Descarto-me da tronga, que me chupa, 
Corro por um conchego todo o mapa, 
O ar da feia me arrebata a capa, 
O gadanho da limpa até a garupa. 

Busco uma freira, que me desentupa 
A via, que o desuso às vezes tapa, 
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa, 
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa. 

Que hei de fazer, se sou de boa cepa, 
E na hora de ver repleta a tripa, 
Darei por quem mo vase toda Europa? 

Amigo, quem se alimpa da carepa, 
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa, 
Ou faz da sua mão sua cachopa. 


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
SUGAR E SER SUGADO PELO AMOR
Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante     boca milvalente
o corpo dois em um    o gozo pleno
que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.


 DE ARREDIO MOTEL EM COLCHA DE DAMASCO

De arredio motel em colcha de damasco
viste em mim teu pai morto, e brincamos de incesto.
A morte, entre nós dois, tinha parte no coito.
O brinco era violento, misto de gozo e asco,
e nunca mais, depois, nos fitamos no rosto. 

 O QUE SE PASSA NA CAMA

(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)

É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono de pênis.


Ai, cama, canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme a onça suçuarana,
dorme a cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima... O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciam os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.


CHOCARAM-SE? Mas adoraram saber que isso tudo existe e acharam alguns até muito bons? Bem-vindos!




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1/23/2013


La douleur exquise: as dores e as maravilhas de ser professora de Literatura

Eu devia ter uns 13 a 14 anos quando criei uma resolução para minha vida: seria professora, área de Letras. Quando digo Letras, digo: amava estudar gramática (sim!), ficava fascinada com as conversas de um professor que me contava sobre literatura (coisa que eu estava acabando de descobrir o que era, embora lesse desde alfabetizada) e era aquela aluna chata que perguntava pro professor de Física porque o nome "trajetória elíptica" é "trajetória elíptica". Em outros termos: tudo o que dizia respeito às palavras me fascinava. Eu passava horas voluntárias estudando por puro gosto coisas que meus colegas odiavam, que estudavam só para passar de ano. Se me perguntassem até o último ano escolar as pessoas a quem eu mais admirava na vida, tenho certeza que de 10, 7 ao menos seriam professores. Resultado: me tornei professora de Língua Portuguesa!

Ser professora de Língua Portuguesa na escola pública significa ensinar gramática (hoje, thanks God, já é possível um debate linguístico no meio disso tudo), redação e...LITERATURA! Eu sou uma apaixonada pelos livros, aquela pessoa que não resiste quando entra em uma livraria, que tem que levar ao menos um livrinho. Caso contrário, sente falta de um não-sei-o-quê. Sou aquela pessoa que quando termina um livro quer ficar falando pra todo mundo sobre o que o livro fala. Cujos olhinhos brilham quando conhece alguém que sabe recitar poemas. Que fica toda boba quando olha a própria estante. Sim, sou a louca dos livros. Não li nem a metade do que quero, leio livros e abandono alguns, tem dias que me acho uma fraude. Mas os livros são a minha pátria.

Daí que quando surgiu a oportunidade de falar de literatura para um público teoricamente interessado, pensei que seria a glória. Mas não foi. E eu não entendia o porquê. Por quê? Por que os meninos não se interessam? Por que alguns preferem pentear os cabelos e pintar as unhas em vez de ouvir sobre coisas tão magníficas? Conclusão nº1: eu, a professora, tinha toda a culpa. Não sabia dar aulas. Gostava de Literatura, mas não sabia falar sobre isso com o fascínio que meu professor me causava. Então lembrei que nas aulas do meu professor era só um pequeno grupo que se interessava. Mas para mim eram aulas tão fascinantes que até esqueci desse detalhe.

Os alunos só gostavam de televisão, essa maldita! Mas eu também assistia à televisão sempre, assistia a bobagens muitas e muitas vezes, me divertia com isso, mas não era afastada da leitura por este fato. Não, não era a televisão!

E então observei: é a linguagem da televisão. E comecei a dar minhas aulas de literatura contando o enredo das histórias como se faz numa novela: deixando os suspenses para o capítulo seguinte. E sempre, até hoje, tenho alunos que não estão nem ligando pra minha aula. Só que uma coisa intrigante começou a acontecer: alunos que vêm me dizer, muitas vezes depois de algum tempo, que leram livro tal (literatura clássica!) por minha influência. Que se não fossem minhas aulas, nunca teriam gostado tanto de certo livro. Que compraram livros ou pediram livros de presente ( meu coração pulando!).

As narrações têm sido cada vez mais frequentes. Penso que não é todo o mundo que tem a sorte que tive de, mesmo sem ter pais leitores, ter pais que julgavam que ler era super importante. Desde que eu me lembre, meus pais me presenteavam com coleções de livro. E livros interessantes, com disquinhos de vinil acompanhando. E não era forçado. Era tão natural ler, encenar os enredos com minha irmã mais velha, achar divertido aquilo tudo. Minha escola sempre teve leitura obrigatória. Mas que livros gostosos!

Percebi que pros meus alunos, egressos de uma escola pública falida, ler era castigo. "Menino, para de atentar! Vai fazer a cópia desse livro todinho lá na biblioteca!!!" Ir para a biblioteca, na minha escola, era ir ao paraíso. Ficávamos na biblioteca mesmo quando não queríamos ler. Só para ter o prazer de estarmos rodeados de livros sempre. Eu ajudei a tia da biblioteca a colar aquelas fichinhas de papel onde colocam-se os cartões de empréstimo dos livros da minha escola. A biblioteca era minha casa.

Nas escolas públicas, quando há uma biblioteca, é super desorganizada. Não têm profissional adequado no recinto. Geralmente são funcionários que vão se aposentar ou que estão isentos de sala de aula, por diversos problemas. Nem sequer, muitas vezes, gostam de livros. Como podem tratar bem os alunos? Como pensar em estratégias para atrai-los para aquele local? Ouvi muitas vezes dos meus alunos: "Professora, eu fui lá na biblioteca, como a senhora disse. Mas aquele homem/aquela mulher lá da biblioteca só faltou me escorraçar".  Isso é deprimente!

Mas eu penso que podemos, sim, insistir. Minha mãe, de cinquenta e tantos anos (não vou dar aqui a precisão, já estou dando a faixa etária. E ela que não o saiba!) volta agora, lentamente, a ler. Lê livros bem palatáveis, linguagem super simples, mas segundo o seu interesse. Acho que aí está também a chave do sucesso para se formar um leitor: livros de acordo com o seu interesse. A pessoa tem de descobrir, aos poucos, qual é o SEU livro. Quando meus alunos reclamam que não gostam de ler, sempre digo: "Não é que você não goste de ler. É que você, com certeza, ainda não descobriu o tipo de livro que você gostaria de ler. O SEU tipo de livro". E é importante, também deixar claro que sempre é bom experimentar estilos novos. Vai que você ame? Nada melhor que um livro pra fazer companhia, pra viajar sem sair do lugar (clichê, mas não tem expressão mais adequada).

Só penso que a mídia poderia contribuir bem mais para que a leitura florescesse. Dizer: "Leia, leia mais" não vai fazer ninguém ler nada. Mostrar uma personagem encantada por um livro sim, vai fazer as pessoas quererem ler muito aquele livro. Meus alunos este ano queriam todos saber sobre "O primo Basílio", de Eça de Queirós. É que na minissérie "Gabriela" (baseada na obra de Jorge Amado) este livro era o que vivia nas mãos de uma personagem a quem eles admiravam.

Os professores também podem contribuir mais se lerem. Sim, porque conheço váááários professores (de Letras, muitos deles) que não leem nada! E quando digo nada, é nada mesmo. Nem Paulo Coelho (ok, confesso que detesto Paulo Coelho). Nem Crepúsculo. Nem Cinquenta Tons de Cinza (que estão na crista da onda). E querem que os alunos achem importante ler? Como?

Ler deveria ser dessacralizado. Como diria Carpinejar, deveria existir em cada sala de espera vários tipos de livros, em vez das revistas de fofocas. Nos criados-mudos dos hotéis, nos ônibus, nos metrôs. Ler deveria ser coisa comum, banal, coisa do dia-a-dia. Deveria se perguntar: "O que você está lendo?" como se pergunta: "Como é que vai?" ou "O que você almoçou hoje?".

Ser professora de literatura é, de fato, uma dor. Porque você fica louca pensando em estratégias pra saber como fazer aquelas pessoas -  que estão dizendo, na sua cara, que ODEIAM ler, que ler é um saco, que leram sim, um livro, só um livro, em toda a sua vida - lerem muito, lerem por prazer, virarem, enfim, leitores! O prazer é saber que você, sem nem perceber, virou referência na vida de quem se atreveu a ler. O prazer é ficar orgulhosa de ver seus alunos comentando sobre livros sem perceberem que você está ali, olhando pra eles na surdina. É seus alunos indicarem livros a você!

Por tudo e em tudo, vale à pena insistir.
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9/22/2012


Mais doses maravilhosas de Mia Couto em "Terra Sonâmbula"


De maneira um pouco assistemática, coloco aqui outras doses maravilhosas de Mia Couto em "Terra Sonâmbula":

"A fome quando ferra nos faz feras".

"Agora vivo de cor e salteado"

"Não é a relva que cresceu. Fui eu que adiminuí"

"É que a vida não gosta de sofrer. A terra anda a procurar dentro de cada pessoa, anda juntar os sonhos. Sim, faz conta ela é uma costureira dos sonhos"

"Porque esta guerra não foi feita para vos tirar do país mas para tirar o país de dentro de vós"

"A estrada me descaminhou. O destino o que é senão um embriagado conduzido por um cego?"


Pequenas preciosidades linguísticas deste autor fabuloso. Espero que se deleitem!

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7/27/2012


Terra Sonâmbula: doses maravilhosas de Mia Couto

Sim, desta vez não vou fazer resenha de livro. Não vou contar a história toda antes que alguém leia. Tem quem ache isso brochante. Eu particularmente não vejo problema algum, pelo contrário. Incita-me a ver como é isso tudo que foi dito na concretude das palavras. Mas para evitar desistências de alguém que porventuríssima venha acompanhando este blog, hoje faço diferente.

O livro agora é Terra Sonâmbula, por Mia Couto. Foi indicação de leitora viciada (não é Denise?). Eu entendo bem o que é isto. Fico até com remorso do tanto que leio vários livros de um mesmo autor, porque obviamente estou deixando de ler vários outros. Mas tem suas vantagens. A primeira é essa: poder indicá-lo com firmeza. Et voilà:


Livro de capa interessante, letra agradável, um convite a caminhar nessa trilha de terra batida e a querer saber o que tanto tem nesta mala. Deixo o resumo, pra quem tiver curiosidade, através deste site: http://blog.meiapalavra.com.br/2010/05/18/terra-sonambula-mia-couto/ (para não trair minhas próprias palavras de início). O que vamos tirar da mala são as expressões deliciosamente construídas pelo autor. E olha que amo Guimarães Rosa, mas Mia Couto, mesmo falando um português que não é o meu - sendo moçambicano-, consegue dar poesia abraçada com uma fluidez memorável. Vale à pena de verdade, por tudo e em tudo.

Foram as expressões criadas aquilo que fez crescer-me o olho imediatamente para o livro, desde a primeira página. Quanta criatividade, Senhor! Que precisão para descrever coisas indescritíveis, sensações humaníssimas que aparecem numa guerra, desumanidades que também assomam no mesmo instante...E vamos a algumas, que decidi herculeamente coletar (trabalho de Hércules, porque eu que tinha me proposto a destacar com lápis colorido aquilo que achasse mais interessante e desisti já de pronto...Tudo é interessante, afinal.).

 "Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada"

 "A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas"

 "Muidinga se meninou outra vez"

"Ou se cala ou lhe rebento a tristeza à porrada"


Os outros trechos virão a prestações, pois que como já disse, é trabalho pra se fazer com calma e seleção. Serviço, talvez, impossível. Mas tentarei, para agrado das minhas vistas (que verão de novo coisas tão lindas) e quiçá para agrado de algum mortal que me lê.

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5/24/2012


Veia Bailarina

Sim, eu confesso. Compro livros muitas vezes pelo título, muitas vezes pela capa, muitas vezes pelo nome do autor. E que atire a primeira pedra o leitor que não fez dessas. Num desses passeios pelas livrarias do mundo real (alô, internet!Não foi dessa vez...), coisa que todo leitor que se preze adora e jura que poderia morar num local como esse, caso o livreiro não achasse de expulsá-lo porque a livraria tem de fechar, achei um livro que já vinha me interessando faz tempo. Chama-se "Veia Bailarina", de Ignácio de Loyola Brandão.

Essa história de flertar com certos livros é interessante. Por exemplo: eu sempre gosto de livros de capa dura, sobretudo se tiver letras douradas ou capas de tecido. Dá a impressão de que não só a história nos transporta para um outro mundo. Sinto-me a própria leitora. Aquela, da pintura de Renoir. Como nem por um momento eu gostaria de fisicamente voltar àquele século (já imaginaram ter de usar espartilho, casar com quem meu pai mandasse e não poder sair sozinha com o homem que amo? Fora minha boca enorme e protestativa que teria, nesse caso, de ser amordaçada!), fico com o transporte virtual, pelos livros. 

Outra coisa que me chama a atenção são livros de letras um pouco maiores. Por que essa mania de algumas editoras de fazer livros de letras pequenas? Quanto melhor se enxergue, melhor pro entendimento. Letras maiores dão ao leitor uma clareza não conseguida com letras formigais. Sei que a uma altura dessas você diria: "Danielle, sua linda, procura um oftalmologista". E eu, como toda boa míope, diria: "Não é essa a questão. Meu grau está corretíssimo. É que pretendia ler o livro deitada, sentada, na posição em que escolhesse ficar sem que meus óculos me atrapalhassem no rosto." Gosto de tirar meus óculos para ler como os tiro para fazer amor, porque nada mais é uma leitura que fazer amor com aquelas palavras. E se você ainda não fez isso, cher(ie), está na hora de experimentar!

Ainda sobre o flerte, digo mais: Ignácio de Loyola Brandão me atrai. Fernando Pessoa me atrai. Josué Montello me atrai. Xinran Xue me atrai. Umberto eco (ai!) me atrai muito. Jessier Quirino me atrai. Guimarães Rosa (sempre!) me atrai. Manoel de Barros é um delírio. Basta ter um desses nomezinhos na capa, é um pulo para desencofar do bolso alguns vinténs e comprar o livro no ato. Esses e outros nomezinhos preciosos que não citarei aqui por falta de espaço e saco do leitor. Poderia dizer que sou uma polígama bibliográfica, não me importo. Acho até bonita a vadiagem...

Então esse livro tinha tudo, com exceção da capa dura: era um livro com título em minúsculas, capa vermelha com imagem discreta e "Ignácio de LOYOLA Brandão" escrito de maneira centralizada, lá embaixo e, de arremate, letras grandes em suas páginas. O melhor de tudo: meu namorado me acompanhava na visita e não só não se importou de ser traído com o Ignácio, como mo deu de presente. 

Vamos então à história, enfim!

A contracapa já começa com a seguinte frase: 

"O chão foi para um lado, ele para o outro. Quem está bêbado, o chão ou o escritor?

O livro é um texto autobiográfico de Ignácio de Loyola Brandão sobre a experiência de um aneurisma cerebral, experiência esta que não é agradável pra ninguém e que, louvamos, já é passada de maneira bem sucedida. Passa bem longe de pieguismos e faz o autor re-pensar sua trajetória nesta vida. O que importa ser um autor conhecido? Será que ele, de fato, fez a diferença na sua vida tanto quando pretensamente lhe diz o ego? Onde arranjar o dinheiro para a cirurgia salvadora? Como não virar um poço de pessimismo ou de ansiedade e acelerar uma bomba-relógio engatilhada dentro da sua cabeça? Se o aneurisma estourasse, era culpa sua?  Como seis milímetros nãos são nada (tamanho do aneurisma) e, de uma hora para outra decidem a sua vida (ou sua morte)?

Em tudo e por tudo, o livro me agradou. E fico com a sensação de que ou leitor, por mais amador que seja, quando escolhe um livro pela capa, pelo nome do autor, pela imagem, pelo aspecto da folha, sabe o que faz. Não é necessário saber tudo sobre um livro antes de conhecê-lo, de fato. Acho até que muitas vezes é melhor não saber nada sobre ele, ser um amante desconhecido, que pode corresponder ou pode ser horrível, como toda boa surpresa da paixão! Afinal, há livros e livros. Livros que precisam ser lidos por medidas profissionais, livros teóricos que lemos com gosto e livros que lemos pelo puro prazer da descoberta e que vamos desnudando a cada passar de folhas. Não conto mais sobre "Veia Bailarina" (que título sensual!) para não estragar o vosso deleite...e bom romance!


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4/13/2012


O Falecido Mattia Pascal ou Nós e nossas múltiplas(?) identidades


Todo leitor que se preze deve ter, além dos livros que leu, aqueles outros milhares de livros que comprou por compulsão e que ficam lá na estante, olhando inquisitórios para a cara do dono e perguntando: "Como é que você comprou mais um sem ter me lido antes?" Pois é assim que começa a minha história. Devo confessar e fazer o "mea culpa, mea maxima culpa": há momentos em que me sinto uma fraude literária e leitora. Talvez se eu tivesse apenas 50 livros, eu já me sentisse muito inteligente, podendo dizer com empáfia: "Já li todos os livros que tenho!" Mas a realidade não é assim. Por mais que eu leia livros, eles se multiplicam (por minha própria conta) em progressão geométrica. Minha leitura, ao contrário, não passa de uma simples P. A...

Aí num dias desses, "num desses encontros casuais" - ou quase, compro uma coleção inteira de literatura universal  clássica. Era um sonho: capa dura de tecido, letras brancas, papel jornal e aquela fitinha de cetim...ai, aquela fitinha adorada marcadora de páginas! Milhares de volumes. Todos prontinhos para entrar na minha estante.

Como eu já previra, minhas "lindezas" passaram dias e dias lá naquele processo inquisitório já tão conhecido da minha pessoa...Era questão de honra e resolvi passar à ação. Comecei com um Goethe, o clássico "Os sofrimentos do jovem Werther", já aqui comentado. Era, então, hora de passar a outro.

Falando em sofrimentos, o sofrimento de um bom leitor, além de ter sempre uma pilha enorme de livros na listinha (para comprar) e outra pilha maior ainda de livros na estante (entre seus e emprestados), consiste ainda mais no fato de, tendo volumes às pencas, nunca saber qual será o próximo a escolher. Juro que passo até horas olhando, olhando, olhando, lendo orelhas, olhando mais um pouquinho...lendo orelhas novamente, lembrando de recomendações de amigos...aí saio de mãos abanando porque estou mais que atrasada para algum compromisso na rua. O pior: vou encarar vários minutos de espera em algum consultório, num ônibus ou entre um horário e outro na escola onde trabalho (como me deixam ser professora? Nem consigo escolher um livro pra ler, Senhor!) e necas de livro.

Até que um dia eu ralho comigo mesma e digo mentalmente: "Vou tomar vergonha. Vai ser é esse aqui. E pronto!". O "esse aqui" da vez chamava-se "O falecido Mattia Pascal", de Luigi Pirandello. E até hoje não sei pra que tanta dúvida, já que geralmente não me arrependo...Enfim, vamos a ele:

Imaginemos a seguinte situação: você fez milhares de sonhos na adolescência. Em todos, você era lindo, rico e tinha um cônjuge mais lindo ainda, mais interessante ainda e que o acompanharia para a vida toda. Quase todo mundo sonha ou já sonhou com um futuro glorioso...No caso de Mattia Pascal, esse sonho rapidamente se concretizou às avessas: era um bibliotecário pífio que odiava aquele cheiro de mofo e aqueles livros inúteis, que ganhou uma herança materna devidamente roubada por quem teve mais astúcia, que era casado com uma mulher obrigado por uma sogra infernal, doidinha para ser sustentada pelo resto dos seus dias. A solução: fugir. O mais rápido possível!

Mas isso era apenas devaneios...Iria, em realidade, sumir apenas por alguns dias para jogar na roleta em Monte Carlo, ficaria rico e esfregaria tudo na cara daquela velha! De fato, teve sorte no jogo. E teve ainda mais sorte na vida: lendo um jornal da região, descobrira-se dado por morto na sua cidadezinha, pois um corpo tinha sido encontrado boiando numa propriedade que era sua e reputavam que fosse o próprio Pascal, que sumira há dias... Mattia estava morto! Morto para todos aqueles para quem ele não passava de um "pé rapado" sem futuro e sem presente. Era uma chance única! 

Mattia criou, então, uma nova identidade: Adriano Meis. E passou a morar na bela Roma, com uma nova história e dinheiro no bolso. Não serei eu aqui a estragar o prazer de descobrirem o que acontece a partir de então - se bem que pra mim tanto faz me dizerem o desenrolar dos livros, pois sempre que os leio não se passa exatamente da mesma forma que me contam. Só posso suscitar uma reflexão: quem faz a vida de um homem a não ser ele mesmo? Seriam as circunstâncias?

Um excelente livro, bem escrito e cheio de humor, a falar de nossas misérias pessoais de uma maneira suave e quase definitiva. Para sempre na minha listinha de recomendações. E na minha lista menor: a de livros lidos!

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4/04/2012


O Rio e seu segredo - A pianista que desafiou Mao



Ultimamente ando muito apaixonada por qualquer livro bem escrito que fale da Revolução Cultural chinesa. São interessantes, sobretudo, por revelarem a confusão das pessoas durante um processo ditatorial que massivamente cria no seu público-alvo a ideia de que o fazem para o seu próprio bem, para o progresso da nação. Tenho muita resistência a pensamentos totalizantes. Como pensar que uma cúpula vai saber exatamente o que é o "bem" para um povo? Sinceramente, não creio que isto seja possível...

Uma dessas minhas descobertas maravilhosas a respeito do assunto foi o livro "O rio e seu segredo, A pianista que desafiou Mao", de Zhu Xiao-Mei, que a princípio não é escritora por profissão, mas sim pianista. Ela foi alvo direto da lavagem cerebral imposta às pessoas na China maoísta e a vivenciou desde a infância. O interessante do livro é que, apesar de tanto esforço, as ideias em voga na época não foram capazes de anular um pulsar artístico que veio de berço: a sua relação orgânica com o piano.

O livo inicia com a descoberta do instrumento. A mãe, professora de piano, leva para casa um regalo mais que generoso: um Robinson de teclas amareladas. A casa - se é que assim a podemos nominar - fica numa espécie de cortiço, na cidade de Pequim, para onde foram mandados com o início de toda a tragédia maoísta. Moravam antes numa habitação bem confortável em Xangai, mas fatores como a desestruturação política e econômica da cidade, bem como a dita origem ruim (o avô de Xiao-Mei era fascinado pelo ocidente e a família toda era culturalmente vinculada a este fato) sob o ponto de vista do Partido, são fatores que os empurram, sem escolha, para uma vida miserável em Pequim. Nas palavras da autora: 

"Nossa casa...Dois cômodos para sete pessoas, 50 metros quadrados ao todo dentro de um si he yuan, um quadrado de casas baixas construídas em torno de um pequeno pátio central. Uma única bica d'água e um único banheiro para 11 famílias, roupas mal lavadas penduradas nas janelas do pátio, um assoalho negro sempre úmido e um teto roído por ratos, cujo barulho todas as noites me apavora. Contudo, nós não somos os mais infelizes. Os outros moradores do si he yuan têm ainda mais dificuldade para viver do que nós, como uma viúva, cujos dez filhos dormem numa única cama de casal"

No entanto, um piano consegue, no meio de tanta privação, operar um verdadeiro milagre. "O  objeto fala!" E isto é suficiente para que se torne uma referência inesquecível para Zhu Xiao-Mei, mesmo que para ela por muitos anos pareça um passado reprovável e deixado para trás...


A Revolução Cultural maoísta tinha como princípio maior desestruturar possíveis ameaças e re-educar os potencialmente perigosos por sua origem aos moldes do Partido. Como já aconteceu em vários momentos da história, por mais que um governo totalitarista queira dominar a tudo e a todos, sempre há diversas pontas que fogem do seu controle. E Zhu Xiao-Mei, menina chuchen buhao (de "má estirpe", de origem burguesa), vai ser separada de sua família (aliás, cada um vai para um canto da China) para ser preparada como, de início, uma pianista a serviço do governo e, mais tarde, uma militante fervorosa da Revolução.

Seu treinamento, embora primeiramente dedicado à questão musical vai, à medida em que se aprofundam as táticas de dominação maoístas, tornando-se única e exclusivamente uma aplicação digna de Skinner, uma máquina de ensinar e exercer os preceitos do Partido. As aulas diárias consistiam, já no mais avançado do processo, em leituras intermináveis do Pequeno Livro Vermelho de Mao e/ou do Manifesto do Partido Comunista, bem como em sessões de auto-crítica, em que os alunos de condutas "erradas" se auto-denunciavam e eram desmoralizados e apontados por toda a classe.

Mais tarde, além deste terror psicológico de onde ela é, inicialmente, vítima para depois se tornar algoz (o que nos faz lembrar dos ensinamentos freirianos, por óbvio), vai passar pelo pior momento de sua vida: é mandada para um campo de re-educação em Zhangiako, onde além de fome e frio, mortifica seu corpo em trabalhos intermináveis. Em condições desumanas (claramente justificáveis como necessárias para evitar pensamentos anti-revolucionários), renasce a Zhu Xiao-Mei pianista e seu sentimento de humanidade desabrocha em terreno árido. A primeira medida - mais que perigosa: mandar trazer às escondidas seu piano. A vontade de ver livre sua expressão maior de humanidade é tão grande a ponto de  arriscar-se imensamente, afinal de contas, um piano é um instrumento muito grande para passar incólume! E, aproveitando-se do desconhecimento do chefe daquele campo a respeito de música ocidental, desafia a Revolução organizando um concerto onde tocariam livremente Rachmaninoff, justificando tratarem-se as músicas de yangbanxis, óperas revolucionárias criadas por determinação da Sra. Mao como músicas oficiais.
É este o passaporte decisivo para que empreenda uma fuga quase mortal para o Ocidente, onde poderia ser livre para exercer seu ofício (apesar de tantas dificuldades que se imporão) e correr atrás de anos de prejuízo educacional. Passaria por fome, empregos de babá, de garçonete em zona meretrícia até ser, finalmente, reconhecida como grade musicista que se tornou.

Fico, para encerrar, com esta declaração mais que tocante desta pianista de mãos pequenas, mas ágeis, que teve a vida destroçada, a família dispersa, as emoções para sempre marcadas por profundo arrependimento por atitudes fruto da lavagem cerebral imposta:

"Mais uma vez, a música me salva.
Quando criança eu perdi tudo, mas a música me ajudou a viver. 
Em seguida, no conservatório, a ideologia falou mais alto. (...)Quando cheguei a Zhangjiako, eu não era nada além de uma pequena selvagem manipulada e, durante o primeiro ano, não me lembro de ter experimentado nenhum sentimento. Como meus companheiros, tinha a mente vazia. Tínhamos sido todos transformados em marionetes, em máquinas prontas para obedecer cegamente a todas as injunções do regime. E a música se tornara para mim acessória. 
(...) Mao percebera há muito tempo o poder da arte e especialmente da música sobre o povo. Sabia que os artistas eram perigosos por questionarem perpetuamente o real, reclamando sempre mais liberdades (...)Mas o poder da música é tal que ressurgiu em minha vida sem que eu pudesse explicar como.
(...) A Revolução Cultural estava prestes a nos tirar toda a humanidade, e isto não era possível. Prestes a ser transformados em animais, um reflexo nos sacudiu. No fundo de nós mesmos, restava uma centelha de humanidade, a que nos regimes totalitários, que subestimam os recursos do homem, sempre esquecem, para sua ruína. É esta centelha que a música reavivou."

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11/05/2011


Literatura: uma velhinha coroca?

Começo esse post com esta ilustração de três coleções de livros bem conhecidas das nossas novas gerações: Harry Potter, As Crônicas de Nárnia e Senhor dos Anéis. Já fui questionada muitas vezes a respeito da validade de se ler certos livros "não-literários" e isso me fez indagar tanto sobre o que seria essa tal "Literatura"  - uma senhora, ao que parece, bem poeirenta, indecifrável e inacessível a muitos de nós... Tanto que acabei fazendo uma monografia sobre isso. Mas esse já é outro capítulo, enfim. Voltando à ilustração: ainda há quem queira sacrificar e jogar numa fogueira os livros que são lidos pela juventude hoje. Como eu poderia fazer isso? Há alguns anos, se eu entrasse numa sala de aula e perguntasse se meus alunos liam alguma coisa, um ou dois levantariam a mão (justamente aqueles tidos por "cabeça-de-ferro") e diriam estar lendo Machado de Assis - sabendo eu que, em algum caso, seria só para me impressionar...

Hoje tenho um número bem maior (ainda assim, não tão satisfatório) de leitores de Tolkien, Stephenie Meyer, J. K. Rolling, C.S. Lewis e, mais recentemente, até Pe. Fábio de Mello. Não estou aqui, obviamente, para discorrer sobre nenhum dos autores, mesmo porque não li todos. No entanto, do que li, fiquei bastante impressionada pela escrita absurdamente criativa, pelo universo mágico criado.

Distingue-se aí, uma qualidade a que fui apresentada por minha excelente professora de Português do colégio: "Um bom escritor não é aquele que escreve 'bonito', 'difícil' ou 'muito', mas aquele que consegue cativar definitivamente o leitor". Nunca esqueci dessas palavras. Ou para ficar com a simplificação mais divertida de um amigo: "Leio um texto uma vez. Se não o entender, sou burro. Leio duas, se continuo a não entender, sou burro. Leio três, se ainda assim não entendo, o autor é que é burro e não sabe escrever".

Bem provavelmente, entre os autores citados e outros em linhas parecidas, não todos terão aquela genialidade esperada. Muitos serão açucarados, do mesmo modo que não consigo dizer que Sidney Sheldom seja tão excelente quanto Agatha Christie. Não há como comparar! Mas isto para mim, para minhas necessidades literárias.

Como já disse por aqui, fui "mal" acostumada aos clássicos. A tal ponto que agora me vejo perdida e correndo atrás do prejuízo de conhecer autores contemporâneos a mim(!). De modo que eu me sinto bastante identificada com aquela velhinha coroca chamada Literatura. Eu busco um livro de literatura buscando encontrar certas "qualidades", tendo em vista o meu claro adestramento numa academia de Letras. Bem, e daí? - me perguntaria o leitor deste blog. E daí que não é por isso que eu vá ignorar aquilo que os antigos chamavam de catarse.

Segundo a nossa boa, velha e não-literária Wikipedia, "Catarse (do grego khátarsis) é uma palavra utilizada em diversos contextos (...) que significa 'purificação', 'evacuação' ou 'purgação'. Segundo Aristóteles, a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama". Em outras palavras, aquela identificação magnífica que nos abduz para dentro de um livro, por exemplo. Aquela sensação de saciedade causada pelas palavras. A isto eu chamaria de catarse.

A catarse tem provocado fenômenos estranhos entre os adolescentes, como por exemplo, o hábito de ler coleções de livros de duzentas páginas (!) e o hábito - isto sim, ainda mais estranho - de escrever blogs. Então, antes de jogarmos o bebê fora com a água da bacia, seria melhor ver se ele não está a-man-do esse banhinho gostoso e incentivá-lo a se refrescar ainda mais, talvez até chegando a banhar naquele córrego antigo, ao lado de uma velhinha bem coroca...E que venham mais livros!

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10/10/2011


Origem das duas Fridas. Recordação. Devia ter 6 anos quando vivi intensamente a amizade imaginária com uma menina de minha idade. (…) Não me lembro de sua imagem, nem de sua cor. Porém sei que era alegre e ria muito. Sem sons. Era ágil e dançava como se não tivesse nenhum peso. Eu a seguia em todos os seus movimentos e contava para ela, enquanto ela dançava, meus problemas secretos. Quais? Não me lembro. Porém ela sabia, por minha voz, de todas as minhas coisas…”
Diário de Kahlo, sobre a tela As Duas Fridas


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9/26/2011


Nós, nossas geometrias


Quando diz o professor de matemática:
"Esta é uma parábola com a concavidade para cima.
Se assim está, indica a positividade de um 'a'".

Pois bem,
Eu sou a parábola.
Em mim residem concavidades que poderiam ser feitas
citando um rosário todo alfabético:
é um "a" de "ai, meu Deusinho do Céu!"
é um "b"de "Basta já de tanta coisação!"
é um "c" de "Como é que pode?"
é mesmo um "z"...um "z" daqueles bem zêbricos!

Então, parabolicamente, imagino um turbilhão de hipérboles
 - que se se chama" hipérboles", nada mais é
que uma parábola, meio que viradinha, com nome metido a besta...ora, pois!

O que somos nós, que não trajetórias indefinidas:
horas de retas, horas de curvas sinuosas,
horas de "vértices, velozes, veludosas vozes",
horas de geometrias bem analíticas
horinhas de geometrias muito bem planas?
- terno e gravatas, obviamente.

Nesse mundo, que é miúdo e também infinito,
matematicar...
Só que a teoria que nos define - e há de? -
ainda está a se inventar.

E um ponto...
Bem final!
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8/07/2011


Sobre os 10 anos da morte de Jorge Amado


Acho um pouco intrigante fazerem comemorações sobre "os tantos anos da morte de fulano de tal". A morte, em si, merece uma comemoração? Eu e meus botões linguísticos (já sem o trema - estou tentando ser uma professora de português que não se revolta com a ausência do meu companheiro de anos!) pensamos que poderia haver uma maneira menos inadequada de relembrar um bom escritor, ou qualquer outra categoria notável. No caso de Jorge Amado, há particularmente a conjugação de certos sentimentos desenfreados, quer seja a ideia (viram? sem acento agudo!) de que é um idiota que reforça preconceitos sociais, já que boa parte de seus personagens são muito caricaturais (mas ninguém diria isso de Eça de Queiroz, ou diria? - já que por fazer parte do Realismo português estava muito bem adequado ao usar seus "personagens-tipo"), quer seja a sensação de que ele compreende vicissitudes humanas para além do maniqueísmo. No fim das contas, isso me fica claro: Vadinho, apesar de bon vivant (bom garfo, amante dos amores e do sexo em qualquer caso, jogador compulsivo e devedor nato) não era má pessoa. Ao revés, era muitíssimo bem quisto. Tão bem quisto que não conseguiu deixar a vida totalmente e, coadunando com sua esperteza, aproveita o corpinho engomado do atual marido de sua esposa (!) para ter noites de delícias póstumas...

Eu, da minha parte, muitas vezes me senti como Dona Flor, sem saber se preferia viver tranquilamente aquela pasmaceira da vida considerada "certinha" ou se aloprava, se mandava tudo pras cucuias e ia feliz atrás do trio elétrico...Até hoje não sei se sou uma liberal-conservadora ou uma conservadora-liberal (já falei disso no post anterior, aliás).

Mas Dona Flor e seus dois maridos não é o único livro de Jorge Amado que me fascinou. Se bem que a maneira como foi escrito é sem par na dinâmica e, de mais a mais, também na volúpia. Um livro que me intrigou e se tornou inesquecível foi "O país do Carnaval", em que um grupo de amigos se dedica, cada um com sua práxis, a saber o que, enfim, é a receita da felicidade. Com um final um tanto óbvio, mesmo assim é interessante. Será porque, em geral, as obviedades nos cegam totalmente?

Mas, sem dúvidas, nenhum se compara a "Capitães de Areia". Não conheço quem o tenha lido e não tenha sido tocado pela história dessas moças e rapazes - que pela trajetória nas ruas nem conseguiam ser crianças, tendo, inclusive, sua sexualidade exercida de maneira bem precoce, revelado a perda da inocência pela dureza da vida. A trama recheada de páginas policiais, dessas que são estampadas todos os dias na imprensa marrom, confere uma carga muito verossímil ao texto. Quem de nós não ficou estarrecido ao ler, em uma notícia de latrocínio ou sequestro relâmpago, a idade ínfima dos autores do crime? E de quem, afinal, é o crime de tornar crianças inocentes em assassinos, ladrões, falsários e toda sorte de bandido que existe nesse mundão de meu Deus? O livro não é, como pode parecer, utilizador de uma matemática simples: pobreza + falta de cuidado do Estado = bandidagem. Pelo contrário, nos mostra nuances de todas as personagens que, em geral, não percebemos.

A humanidade de mulheres, homens, crianças, idosos, de todos nós é, afinal, o foco da narrativa amadiana. Nós e nossas contradições que, no frigir dos ovos, são exatamente aquilo que nos faz seres humanos. E, portanto, não vou aqui comemorar 10 anos da morte de Jorge Amado! Comemoro, enfim, terem se passado 10 anos e não o termos esquecido. Seja para amá-lo, para odiá-lo ou, mais humanamente, conviver com esse conflito a respeito de sua obra dentro de nossas mentes...E, assim como Quincas Berro d'Água, que mesmo tendo morrido, viva entre nós com suas histórias pulsantes. Porque não me consta que alguém leia Jorge Amado e, depois, o esqueça, como é - convenhamos - muito certo de acontecer com vários livros que lemos!
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4/28/2011


Sobre mulheres, homens, relações e...livros

Há poucos dias, no meu facebook, recebi uma mensagem que contestava o valor de se ler um livro qualquer. Fui criada ouvindo que até ler bula de remédio é válido - afinal, graças a isso sei o que significa a palavra "posologia", mas de todo modo, fiquei me perguntando se de fato o meu caro cybercolega não teria mesmo razão.

Confesso! Eu sou uma conservadora com capa de liberal. Ou uma liberal meia-boca, porque quando se trata de livros, tenho lá minhas alergias em ler coisas do tipo "10 mandamentos para ficar milionário". Não que se trate apenas de um preconceito adquirido, a duras penas, depois de um longo processo educacional que me fazia os olhos cintilarem diante dos "clássicos" ou de qualquer outro com mais de 150 folhas, capa dura e, de preferência, páginas bem amareladas...Mas é que não consegui ainda vislumbrar o porquê de uma pessoa que escreve um livro desses não ter ainda ficado milionária. Ou ainda pensando melhor, nesse processo de publicação, provavelmente a única pessoa que irá enriquecer é o próprio autor, que venderá bastante - porque pessoas correndo atrás de um milhão não faltam por aí, não é mesmo?

No entanto, mesmo esta que vos fala já foi incentivada pelo ramo da autoajuda. Lembro de, no período de maior desespero da minha vida estudantil (o bendito "vestibular"), ter lido um opúsculo bem colorido e enfático sobre passos a serem seguidos para se dar bem no vestibular. Claro, se eu não tivesse estudado nadinha, jamais teria passado! Mas ter uma criatura que já tinha passado não sei quantas vezes na FUVEST, só em cursos concorridos, te dizendo para fazer assim ou assado, utilizando palavras de ordem e incentivo, tem lá seu efeito terapêutico...

Livros, penso eu modestamente, são como música. Num belo dia de tranquilidade na vida, cairá muito bem escutar musica clássica. Num dia de louca vontade de extravasar até a borda, qualquer pagodão lerê-lerê será o ideal. Pode-se, ainda, unir o útil com o agradável e cair na balada dançando um remix batidão de bossa nova cult. Depois de ouvir "João e Maria" de Chico Buarque em ritmo de axé, penso que tudo é possível!

Mas falando sobre a influência que têm os livros na nossa vida, por oras eles ultrapassam o efeito de uma autoterapia e começam a cambiar o pensamento e os valores do nosso eu. Aliás, dizem que por isso mesmo os livros são mágicos, porque são capazes de mudar o homem. Eu, em tempos de notas feministas, digo que são capazes de mudar mulheres e homens. Explico-me...

Quando criança, o meu encantamento literário era feito por livros de contos infantis clássicos acompanhados de disquinhos de vinil em que eram narradas as histórias. Também por capas coloridas e bem recortadas, e por desenhos em preto e branco que eu fazia questão de preencher com todos os meus lápis de cor. Mais tarde, comecei a ficar viciada em livros grandes, com muitas e muitas folhas, porque isso demonstrava que eu já estava crescendo e já lia como gente grande. Mas a partir do momento em que conheci os livros de literatura clássica brasileira, meu universo literário sofreu grandes alterações.

Até que comecei por Lima Barreto - o que, por motivos óbvios, me garantiria uma boa dose de crítica e humor. Porém, fase difícil essa é a da adolescência. Os seios crescem, as espinhas aparecem, o cabelo destoa e...ai, os meninos! Dessa o Barretão não foi capaz de me salvar, apesar da desilusão de Clara dos Anjos diante do seu amor violeiro.

Esse clima de descoberta amorosa propicia sonhos que, no caso das mulheres, se tornam estratosféricos...

(Um breve aparte) - Não posso falar com muita propriedade sobre o processo masculino. Afinal, pelo menos nesta encarnação, não nasci um deles e, creio, a minha masculinidade restringe-se a não ficar muito contente em me entregar a um dia inteiro de tratamentos capilares no salão de beleza...Enfim, me perdoem os leitores desse blog pela falha.

Voltando à nossa história...

Como eu dizia, da estratosfericidade da paixonite das menininhas na adolescência, ficava horas e horas imaginando o meu príncipe encantado no cavalo branco até que...conheci os autores realistas!
Divisor de águas, Machado de Assis com toda a sua picardia sobre casamentos e relações humanas, me fez ver que não existia essa história de "bom X mal". Todo ser humano, por mais dotado que seja de afetuosidade, é capaz de virar um belo monstro irracional no frigir dos ovos do salve-se-quem-puder. Capitu, aquela moça tão linda e encantadora, pode ter traído Bentinho na maior! Ou quem sabe, Bentinho, aquele rapaz que já fora seminarista e, por muito pouco não se tornara padre, pode ter sido o maior neurótico da paróquia, com mania de ver chifre em cabeça de cavalo...(literalmente!).

Apesar desse esclarecimento, tenho de dizer que minha vida pré-realista foi regada por influências românticas de beber litros e litros na fonte de José de Alencar, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves, bem como todos os paradidáticos do mundo em que os casalzinhos ficam juntos no final. Não cuspo no prato em que comi, muito pelo contrário. Ano passado li "Os sofrimentos do Jovem Werther" e refiz minhas alianças com os livros românticos. É como comer algodão doce. Você sabe que engorda, é só açúcar, mas quer coisa mais deliciosa?

Pois bem, lendo o próprio José de Alencar, em "Senhora", caí na real. As pessoas são falhas, podem até ficar juntas no final, mas são cheinhas de defeitos. Alguns defeitos, aliás, são quase imperdoáveis. E o pior, todos nós temos! Se Fernando era um pulha, se vendendo por pouco dote, Aurélia era orgulhosa até ao nível de humilhar, deixando a criatura-alvo mais baixo que o assoalho (para melhor combinar com o vocabulário romântico...). Mas, mesmo Fernadinho-adora-dotes tinha seu valor, pois juntou tostão por tostão, de mil réis e mil réis, e devolveu a Aurélia o dinheiro - mote do seu rebaixamento.

Só que cabeça de adolescente não funciona assim. Se a mãe diz pra você "arrumar o quarto agora!", a bendita criatura pensa logo "grrrrrrrrr...ela não me deixa em paz! Me odeia! Só chama meu nome!". Sendo assim, minha cachola aborrecente ficou um tanto quanto revoltada com o açúcar do algodão doce. E aí foi achar de comer fel. Foi assim que conheci Eça de Queirós, para sermos mais suaves e desemboquei em Oscar Wilde, veneno puro - ambos maravilhosamente ácidos!

E, no meio termo, entre comer um sonho com bastante creme e beber o puro fel, estou na fase de ler biografias e livros baseados em fatos reais. Mais perto do chão...
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8/22/2010


Sexo e futebol

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

No que se parecem: o sexo e o futebol?


No futebol, como no sexo, as pessoas suam ao mesmo tempo, avançam e recuam, quase sempre vão pelo meio, mas também caem para um lado ou para o outro, e às vezes há um deslocamento. Nos dois é importantíssimo ter jogo de cintura.

No sexo, como no futebol, muitas vezes acontece um cotovelaço no olho sem querer, ou um desentendimento que acaba em expulsão. Aí um vai para o chuveiro mais cedo.

Dizem que a única diferença entre uma festa de amasso e a cobrança de um escanteio é que na grande área não tem música, porque o agarramento é o mesmo, e no escanteio também tem gente que fica quase sem roupa.

Também dizem que uma das diferenças entre o futebol e o sexo é a diferença entre camiseta e camisinha. Mas a camisinha, como a camiseta, não distingue, ela tanto pode vestir um craque como um medíocre.

No sexo, como no futebol, você amacia no peito, bota no chão, cadencia, e tem que ter uma explicação pronta na saída para o caso de não dar certo.
No futebol, como no sexo, tem gente que se benze antes de entrar e sempre sai ofegante.

No sexo, como no futebol, tem o feijão com arroz, mas também tem o requintado, a firula e o lance de efeito. E, claro o lençol.
No sexo também tem gente que vai direto no calcanhar.
E tanto no sexo quanto no futebol o som que mais se ouve é aquele “uuu”.

No fim sexo e futebol só são diferentes, mesmo, em duas coisas. No futebol não pode usar as mãos. E o sexo, graças a Deus, não é organizado pela CBF.


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